terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Em nome do pai

Por certo deus se enganara ao entregar aquela tarefa a ele: nunca mataria seu próprio filho, e por ser uma entidade superior e onisciente deveria saber daquilo. Mas tinha sido aquilo mesmo. Em sonhos, e de muitas outras formas, o anjo tinha lhe enviado a mensagem e a vontade do todo poderoso a fim de testar a fé daquela miserável alma servidora.

A princípio pensou em tentar se esconder, enganá-lo de alguma forma, maquinou, e depois sentiu vergonha, até porque deus tinha visto tudo aquilo em seus pensamentos. Então orou e pediu perdão. Era tudo tão difícil, sua criança tinha então nove anos, menino inteligente, cabelos castanhos e parecia ter futuro bom lidando com os números. A mãe, que morrera no parto, lhe deixou de herança seus olhos verdes e inocentes, além de alguns milhões. Ela era de uma família abastada e o futuro do garoto estava garantido se não fosse aquele pequeno porém.

O pai sempre foi um grande devoto, assim como a mãe, e ambos também instruíram o menino sempre pelo caminho da fé. Acreditavam na bondade e na generosidade do deus celeste, mas agora o pai começava a ter medo, começava a vacilar em sua fé. Lembrou-se então da história de Abraão, ficou por alguns momentos mais tranquilo, mas logo depois começou a tremer novamente. O anjo tinha falado que o sacrifício deveria ocorrer logo, dentro de dois dias... já tinha se passado 36 horas desde então. As mãos suavam, e seu pensamento era sobre como seria, o que usaria para matar o garoto. Não iria mais vacilar em sua fé. Não. Deus deveria ter reservado um futuro diferente para aquela criança, e para ele. Não vacilaria.

Arrumou tudo que precisava, pôs a criança para dormir pela ultima vez e, ao nascer do sol, o levou para uma estrada na saída da cidade, parou o carro e explicou tudo ao garoto.

Entre soluços e gemidos, o garoto nada fazia, parecia se conformar com tudo, e deu mais segurança ao seu algoz. Foram para longe da estrada, pelo mato. O coração dos dois batia acelerado, mas a criança tinha tido uma educação religiosa exemplar, e sabia que se deus assim queria, assim teria de ser. Subiu com o pai em uma rocha, enquanto ele desembainhava a faca.

O garoto se deitou. A lamina brilhava refletindo o sol da manhã enquanto ia de encontro a fina garganta. Fez-se o primeiro sulco e por ele escorreu a primeira gota de sangue. A medida que a faca afundava aumentava o terror no rosto da criança, que com os olhos esbugalhados levou a mão no braço do pai como se tentasse reagir e impedir aquele infanticídio. Mas era tarde, e suas mãos frágeis e trêmulas não tiveram força para tal, a boca fazia algum som inaudível, enquanto o sangue no pescoço borbulhava e seu corpo pequeno e frágil tinha um súbito e passageiro ataque epilético.

Depois de toda aquela cena o pai ainda contemplou o corpo inerte do filho por alguns instantes antes de, com lágrimas nos olhos, cavar a sepultura do menino. Enterrou o pequeno e saiu sem olhar para trás. O percurso até a casa foi um dos mais longos de toda sua vida.

Duas semanas depois a manchete de todos os jornais era um brutal assassinato, e mostrava a foto do homem que tinha matado o filho a sangue frio para receber a herança milionária de sua esposa.

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