quarta-feira, 25 de junho de 2008

Por um louco Amor!

Era um fim de tarde esmorecido na cidade de Sonholândia. Há uma hora ele permanecia na Praça do Lago, sentado, olhando para a lua que encontrara no céu. Tinha nas mãos uma faca.
Chamava-se Amor. Era um homem encantador e romântico. Levantava-se todos as manhãs para ver o nascer do sol e aproveitava-o para escrever poesias. Tinha olhos pretos cor de ônix e um sorriso de uma singeleza incomum, fazendo disparar corações e arrancar suspiros por onde passava. Ah, o Amor!
Três mulheres haviam cruzado seu caminho: a Beleza, a Loucura e a Ira. Seu primeiro beijo, inesquecível, foi quando pensava que seus olhos o indicariam a mulher perfeita. Chamava-se Beleza. Prendia-o com seus olhares, acorrentava-o em seus abraços e beijos. Ela o fascinava, fazia-o perder noites de sono. Eram dois apaixonados. No entanto, a Beleza era irmã da Inveja, que insistia em disseminar a infelicidade e as mágoas. Conseguiu, mas o Amor jamais se esqueceria de sua musa. Chorava sobre os poemas que escrevia e bastava avistá-la para que a nostalgia a trouxesse de volta.
Conheceu a Ira pouco tempo depois. Era uma mulher misteriosa, de sobrancelhas e cabelos vermelho-escuros. Complexa. Enigmática. Ele era o refúgio para sua fúria, enquanto ela, o fogo que o aquecia. Aquecia-o para inspirar-se, afugentar-se. Era também o fogo de sua cama, com seus avermelhados cabelos quentes. Eram encaixes perfeitos: um a ausência do outro. Na falta de paixão, foram dois anos de amizade. Os olhares mencionados nos versos ainda eram, embora ele se tentasse enganar, da Beleza. Sua musa indelével.
Conheceu a Loucura em um show. Era a primeira mulher que se esquecera de reparar em seus olhos cor de ônix. O Amor era orgulhoso (e ainda é!). Intrigava-o que aquela desconhecida sorridente só reparasse o cantor cabeludo da banda. Nem mesmo dava-o uma chance de mostrar que seus cabelos eram muito mais bonitos. Depois de cinco cervejas beijou-a de repente. Foi o melhor beijo de sua vida. E da dela. Só depois, no segundo encontro, ela conheceria a grandiosidade de seus olhos, e ele poderia reparar aquela do beijo inspirador, que de bela tinha muito pouco ou nada.
A Loucura só se preocupava em ser feliz. Era ousada, sorridente, decidida. Não fosse sua aparência, seria uma mulher apaixonante. O tempo providenciou o que o Amor mais temia: era mais que paixão, ele passou a amá-la. Amar de corpo e alma. Desesperadamente. Mas seus próprios olhos eram seus inimigos: avistava a Beleza e desmoronava, via a Loucura e desiludia.
Ainda olhava para a lua. A passos lentos, a Loucura chegava para o encontro na Praça do Lago. Cumprimentaram-se com um sorriso. Ele a abraçou e começaram a chorar. Já haviam conversado sobre aquilo. De um lado, o homem que amava pedindo que lhe furasse os olhos. Do outro, sua mãe, a Razão, implorando para que não o fizesse. Era arriscado. Podia matá-lo ou ser presa. Mas se optasse por não o fazer, a Beleza estaria sempre no caminho do Amor e em seus versos.
Olhou fixo em seus olhos. Aqueles mesmos pelos quais há oito anos se apaixonara. Não conseguia mover-se para furá-los. Era o dilema entre Amor e Razão. Deixou-se guiar por ele, aquele que renovava sua alma todos os dias e queria sofrer para amá-la por completo. Gemendo de dor, o Amor caiu no chão. A Loucura o abraçou e, entre palavras e prantos, repetia que o amava e que jamais o abandonaria.
Desde então o Amor é cego e a Loucura o guia.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Entre ritmos e timbres

Enquanto penso na frente do computador, é a música que me inspira a escrever. Numa tarde calada, quando me distraio com o violao, a música se faz companheira, confidente, e com ela me esqueço dos meus problemas. A música nao é apenas um barulho, um ruido: é o ápice da expressão humana. É capaz de mudar a freqüencia dos nossos pensamentos, alterar nosso estado de humor. Boas letras, quando escritas no tempo certo, sao capazes de mudar uma sociedade, de criar paradigmas, de criar modas e mentalidades. Que o diga Woodstock.
A música é a poesia viva. A vida é a poesia cantada.
Passamos o dia inteiro, a vida inteira, sem saber que nosso pão e nosso circo se resumem em apenas uma melodia. Essa mesma melodia que canta nossos anseios, dores, felicidades e tristezas. É a música que toca nossos sentimentos e que une pessoas.
Talvez a solução para os males do mundo seja um pouco mais de música. Sejam quais forem as notas, timbres e ritmos.

Copos incompletos

Copo vazio.
Fixo os olhos, procurando encontrar qualquer semelhança com este dia. Só me aparecem palavras vazias, idéias e conceitos vazios. Não o vazio entre a Terra e o sol, nem o vazio da última seca. É tão abstrato quanto o completamento. Como se eu quisesse escrever um texto apenas com pontos e vírgulas ou elaborar um discurso somente com monossílabos átonos.
Notável carência. Engano. É indefinível, como se qualquer coisa ou tudo fosse nada. Um vazio que me impede de arriscar. Amedronta. Acovarda. A falta de alguém a quem ainda não fui apresentada, de um livro ainda não publicado ou de palavras inéditas, indeléveis. Um vazio apertado e pequeno, como os velhos e melhores frascos de perfumes (ou venenos): de importância relevável.
Copo metade cheio.
Não é saudade nem desilusão. É a falta do desconhecido, do que se vê além do visível. É um cheiro desviado, um olhar vedado, um sorriso evitado. Tantos “ado” martelados. É o amanhã que sempre será amanhã, o obrigado frívolo, o eu te amo dilacerado, banalizado. Eu insisto nos particípios.
O sol já se pôs. Lua crescente, em véspera de lua cheia. Um livro de química, cartas e uma luminária apagada. Só me resta escrever essas palavras secas, essas idéias pela metade, a fim de alimentar-me, preencher-me.
Copo completamente cheio. Cheio a ponto de transbordar, embora insista em aparentar-se vazio. O vazio do início, meio e fim.

Diário de um Suicida

Quando acordou naquele dia sabia que seria seu ultimo dia.
Vagueou seu olhar pelo teto algum tempo antes de se levantar. Via no teto o mofo e a tinta descascando, apartamento tão diferente do que vivera antes com sua esposa e filha. Ah, o passado! Doces e pesadas lembranças daquele tempo remoto, quando ainda tinha algum resquício de esperança, algum resquício de vida.
Desceu as escadas e atravessou a rua para poder tomar seu café da manha. Decidiu que pagaria. Talvez queria morrer pensando que não tinha dívidas, ou pelo menos não pensando nelas naquele dia. Aquele café amargo e sem doce foi o mais gostoso de sua vida, assim como aquelas rosquinhas secas de farinha.
Saiu do bar e caminhou como mais um indigente daquela grande cidade. Para os outros pouco importava como se sentia e se sua dor realmente era tanta a ponto de se matar. Naquela grande cidade não se tinha amigos, principalmente se você era apenas alguém falido e sem familia, olhando uma vitrine cheia de vestidos, com os olhos mareados de lagrimas, desejando imensamente que sua filha estivesse viva para usar um daqueles. A dor maior vinha do fato de ele ser o principal incriminado da morte de sua doce criança. Morte que levou sua esposa a se matar. Henrique ficou detido por algum tempo até que fosse liberado por falta de provas do assassinato. Para ele, pouco importava a liberdade física. Sua prisão era muito mais terrivel que qualquer cadeia. Estava preso à angustia e ao sofrimento.
Sentado no banco da praça sentia náuseas, talvez porque estivesse a um passo da morte e sabia disso. Decidiu nao almoçar e ficar apenas ali contemplando a beleza do parque, do verde e das crianças correndo atrás de um cachorro que se parecia muito com o dálmata que tivera "naqueles tempos", quando desperdiçava seus dias num escritório de engenharia, e só via sua familia num pequeno intervalo no jantar, pois logo após o jantar tinha o noticiario que nao podia perder...
Quando deu por si já era por volta de quatro da tarde. Decidiu que estava na hora de terminar com aquilo de uma vez por todas. Se esperasse um pouco mais, talvez nao tivesse coragem.
Pensou um pouco em como se mataria. Já tinha simulado a situação uma centena de vezes, entretanto o frio na barriga era cada vez mais forte conforme aproximava a hora. Não iria fazer escândalo, não queria ser salvo por nenhum metido a herói e queria fazer tudo o mais rápido possível.
Caminhou rumo à rua do seu apartamento, de cinco andares. Pularia lá de cima. Ia vagarosamente pela rua, quando um carro cinza, velho, passou muito rápido por ele e bateu duas esquinas à frente. Dele desceram dois homens com meias-calças nas cabeças e com armas apontadas para onde Henrique estava. Atrás dele uma viatura da policia parou e começou o tiroteio com os bandidos. Por instinto humano, Henrique começou a correr das balas. Uma delas, vinda de um policial, perfurou sua traquéia e fez esguichar sangue arterial de seu pescoço. Tombou já sem vida, deixando apenas mais uma reportagem na página policial do jornal local.
Para os curiosos, uma morte trágica de um inocente. Para henrique apenas a realização de seus planos. Foi enterrado como indigente. O policial, pai de duas filhas e recém formado em direito, ficou preso por mais de 10 anos. Preso por mirar em um bandido e acertar um suicida.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O pão nosso de cada dia nos dai hoje



Fome é sinônimo de falta de liberdade. Dependência. Enganam-se os que acham que o mundo não pode produzir alimento suficiente ou que a população é muito numerosa. A teoria de Malthus já foi refutada há algum tempo. A fome é inerente à vida. A própria seleção natural explica a fome, já que os menos aptos tendem a sofrê-la, e esta é essencial para o controle das diversas populações do mundo. Não obstante, a fome está além da falta do que comer: é a mais perigosa das forças políticas.
Paradoxalmente, os países que produzem os alimentos são os primeiros a sofrer com a fome. Não tão paradoxal assim: altas dívidas externas, desigualdade social, infiltração das multinacionais, governos corruptos. São países que, em sua maioria, eram colônias dependentes e subordinadas às metrópoles. Teoricamente, não mais dependem destas, mas na prática continuam submissos a seu poder, a suas tecnologias e produtos.
A fome gera guerra. A guerra fera fome. Ambas sempre existirão. Os bolcheviques, durante a Revolução Russa, pregavam “Paz, pão e terra”, e foi assim que tiveram o apoio dos camponeses e operários na Rússia. Porém, ao adotarem a política do Comunismo de Guerra, a situação tornou-se terrível. Um quarto dos camponeses não tinha o que comer. A fome transformou as pessoas em canibais. No desespero, mães aflitas para alimentar seus filhos famintos cortavam pernas e braços de cadáveres e ferviam a carne. As pessoas se alimentavam de seus próprios parentes, em geral bebês, menos resistentes à fome e às doenças. Em circunstâncias tão extremas, perde-se a diferença entre o moral e imoral.
Em 1788, ano anterior à Revolução Francesa, a França vivia em uma situação miserável, de fome e pobreza. A procura de pão originou tumultos nas ruas, sendo necessária a atuação do exército, com o intuito de conter as revoltas que ocorriam nas longas filas em frente às padarias. Foi então que o preço do pão tornou-se proibitivo: ninguém podia pagá-lo. A cólera popular movimentou o assalto à Bastilha: em primeiro lugar com a convicção de que ali estavam armazenados cereais, necessários para aliviá-los da fome, só depois pensariam em libertar os prisioneiros e extinguir os privilégios feudais. De acordo com Eric Hobsbawm: O preço do pão registrava a temperatura política de Paris.
A fome movimenta. Revolta. Escandaliza. Assim tem sido há tempos. Guerras, revoluções, motins. 11 mil crianças morrem de fome todos os dias. Há 800 milhões de pessoas desnutridas no mundo. Essas pessoas encontram-se, para nós, submissas e imóveis. Engano. Elas estão presas, dependentes, padecendo. Estão revoltadas por dentro, mesmo que muitas não se movam. Estão gritando por comida, estão gritando por pão. Aquele mesmo pão que era o brado da multidão cartista na Inglaterra. O mesmo pãozinho francês da Revolução Francesa e que hoje é o pão nosso de cada dia.