terça-feira, 17 de junho de 2008

Diário de um Suicida

Quando acordou naquele dia sabia que seria seu ultimo dia.
Vagueou seu olhar pelo teto algum tempo antes de se levantar. Via no teto o mofo e a tinta descascando, apartamento tão diferente do que vivera antes com sua esposa e filha. Ah, o passado! Doces e pesadas lembranças daquele tempo remoto, quando ainda tinha algum resquício de esperança, algum resquício de vida.
Desceu as escadas e atravessou a rua para poder tomar seu café da manha. Decidiu que pagaria. Talvez queria morrer pensando que não tinha dívidas, ou pelo menos não pensando nelas naquele dia. Aquele café amargo e sem doce foi o mais gostoso de sua vida, assim como aquelas rosquinhas secas de farinha.
Saiu do bar e caminhou como mais um indigente daquela grande cidade. Para os outros pouco importava como se sentia e se sua dor realmente era tanta a ponto de se matar. Naquela grande cidade não se tinha amigos, principalmente se você era apenas alguém falido e sem familia, olhando uma vitrine cheia de vestidos, com os olhos mareados de lagrimas, desejando imensamente que sua filha estivesse viva para usar um daqueles. A dor maior vinha do fato de ele ser o principal incriminado da morte de sua doce criança. Morte que levou sua esposa a se matar. Henrique ficou detido por algum tempo até que fosse liberado por falta de provas do assassinato. Para ele, pouco importava a liberdade física. Sua prisão era muito mais terrivel que qualquer cadeia. Estava preso à angustia e ao sofrimento.
Sentado no banco da praça sentia náuseas, talvez porque estivesse a um passo da morte e sabia disso. Decidiu nao almoçar e ficar apenas ali contemplando a beleza do parque, do verde e das crianças correndo atrás de um cachorro que se parecia muito com o dálmata que tivera "naqueles tempos", quando desperdiçava seus dias num escritório de engenharia, e só via sua familia num pequeno intervalo no jantar, pois logo após o jantar tinha o noticiario que nao podia perder...
Quando deu por si já era por volta de quatro da tarde. Decidiu que estava na hora de terminar com aquilo de uma vez por todas. Se esperasse um pouco mais, talvez nao tivesse coragem.
Pensou um pouco em como se mataria. Já tinha simulado a situação uma centena de vezes, entretanto o frio na barriga era cada vez mais forte conforme aproximava a hora. Não iria fazer escândalo, não queria ser salvo por nenhum metido a herói e queria fazer tudo o mais rápido possível.
Caminhou rumo à rua do seu apartamento, de cinco andares. Pularia lá de cima. Ia vagarosamente pela rua, quando um carro cinza, velho, passou muito rápido por ele e bateu duas esquinas à frente. Dele desceram dois homens com meias-calças nas cabeças e com armas apontadas para onde Henrique estava. Atrás dele uma viatura da policia parou e começou o tiroteio com os bandidos. Por instinto humano, Henrique começou a correr das balas. Uma delas, vinda de um policial, perfurou sua traquéia e fez esguichar sangue arterial de seu pescoço. Tombou já sem vida, deixando apenas mais uma reportagem na página policial do jornal local.
Para os curiosos, uma morte trágica de um inocente. Para henrique apenas a realização de seus planos. Foi enterrado como indigente. O policial, pai de duas filhas e recém formado em direito, ficou preso por mais de 10 anos. Preso por mirar em um bandido e acertar um suicida.

3 comentários:

  1. Lucas...que final inusitado!
    Surpreendentemente genial!
    A realidade num ponto pessimista e atraente,eu adorei!
    escreva mais narrativas =D

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  2. O texto é incrível, extasiante. O final realmente surpreende. Seu texto ficcional é tão bom e interessante quanto seus pensamentos de vida.

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  3. Narração muito interessante, que conseque prender o leitor do início ao fim, e que ainda, surpreende com seu final.
    O pessimismo sempre acaba atraindo mais, tornando o texto, em minha concepção, mais interessante. Está de parabéns, continue escrevendo bem assim, e invista mais em narrativas..

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