quinta-feira, 12 de junho de 2008
O pão nosso de cada dia nos dai hoje
Fome é sinônimo de falta de liberdade. Dependência. Enganam-se os que acham que o mundo não pode produzir alimento suficiente ou que a população é muito numerosa. A teoria de Malthus já foi refutada há algum tempo. A fome é inerente à vida. A própria seleção natural explica a fome, já que os menos aptos tendem a sofrê-la, e esta é essencial para o controle das diversas populações do mundo. Não obstante, a fome está além da falta do que comer: é a mais perigosa das forças políticas.
Paradoxalmente, os países que produzem os alimentos são os primeiros a sofrer com a fome. Não tão paradoxal assim: altas dívidas externas, desigualdade social, infiltração das multinacionais, governos corruptos. São países que, em sua maioria, eram colônias dependentes e subordinadas às metrópoles. Teoricamente, não mais dependem destas, mas na prática continuam submissos a seu poder, a suas tecnologias e produtos.
A fome gera guerra. A guerra fera fome. Ambas sempre existirão. Os bolcheviques, durante a Revolução Russa, pregavam “Paz, pão e terra”, e foi assim que tiveram o apoio dos camponeses e operários na Rússia. Porém, ao adotarem a política do Comunismo de Guerra, a situação tornou-se terrível. Um quarto dos camponeses não tinha o que comer. A fome transformou as pessoas em canibais. No desespero, mães aflitas para alimentar seus filhos famintos cortavam pernas e braços de cadáveres e ferviam a carne. As pessoas se alimentavam de seus próprios parentes, em geral bebês, menos resistentes à fome e às doenças. Em circunstâncias tão extremas, perde-se a diferença entre o moral e imoral.
Em 1788, ano anterior à Revolução Francesa, a França vivia em uma situação miserável, de fome e pobreza. A procura de pão originou tumultos nas ruas, sendo necessária a atuação do exército, com o intuito de conter as revoltas que ocorriam nas longas filas em frente às padarias. Foi então que o preço do pão tornou-se proibitivo: ninguém podia pagá-lo. A cólera popular movimentou o assalto à Bastilha: em primeiro lugar com a convicção de que ali estavam armazenados cereais, necessários para aliviá-los da fome, só depois pensariam em libertar os prisioneiros e extinguir os privilégios feudais. De acordo com Eric Hobsbawm: O preço do pão registrava a temperatura política de Paris.
A fome movimenta. Revolta. Escandaliza. Assim tem sido há tempos. Guerras, revoluções, motins. 11 mil crianças morrem de fome todos os dias. Há 800 milhões de pessoas desnutridas no mundo. Essas pessoas encontram-se, para nós, submissas e imóveis. Engano. Elas estão presas, dependentes, padecendo. Estão revoltadas por dentro, mesmo que muitas não se movam. Estão gritando por comida, estão gritando por pão. Aquele mesmo pão que era o brado da multidão cartista na Inglaterra. O mesmo pãozinho francês da Revolução Francesa e que hoje é o pão nosso de cada dia.
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Ana, um texto excelente, como todos os outros ;D
ResponderExcluirGostei muito da base histórica de seu texto! E o primeiro parágrafo me lembrou muito de Machado: "Ao vencedor, as batatas!"
Beijo!
A fome é cruel e move mais montanhas que a fé no decorrer da história..nãosó a fé em Deus mas também em ideais...como vc provou Ana, grandes acontecimentos tiveram fecundação no corpo das pessoas...o pior prase pensar é que hoje muitas pessoas morrem de fome mas não há quem as conduza à mudança,como ocorreu em países no seu processo de desenvolvimento. O Brasil poderia completar essa fase e sanar esse mal..seria tão utopicamente fantástico! e tem algo ainda mais "feio": pessoas que passam fome pra seguir o que é 'bonito',isso é não sentir o que é não poder! como sempre, AMEI seu texto...ficou a cara de alguma coisa.. =D continue sempre!
ResponderExcluirSabe qual é o melhor desse blog? Apresenta textos cada vez mais interessantes, comentários inteligentes e que levam os fãs ( como eu haha) a fazer reflexões! Ana, tah de parabéns! =D
ResponderExcluirSobre o último texto, é triste saber que em muitos lugares do planeta a fome mata, enquanto em outros, há desperdício!Acredito que falte um pouco de boa vontade para, pelo menos, minimizar esse problema mundial.